15 de novembro de 2010

LERO - LERO COM TAVINHO PAES, em janeiro de 2007 no Rio de Janeiro


Dá esquerda p/ a direita: Ricardo Wagner, Tancredo Borges "Quedo"  (em pé),


Tavinho Paes, Cássio Amaral e  L. Rafael Nolli



O HOMEM DA POESIA AUDIO-VISUAL



Estivemos na casa de Tavinho Paes, eu Cássio Amaral, Rafael Nolli, Ricardo Wagner e Tancredo Borges e rolou este lero lero:





Tavinho Paes: Esse ano vou me dedicar à poesia na função de audiovisual.

Quero colocar um programa de poesia na televisão. Nem que seja à cabo. Vou botar na televisão!

Já estou fazendo isso pelo YOUTUBE. São cinqüenta e dois vídeos do POESIA VOA que vão subir igual uma televisão. Toda semana eu boto três novos que vão substituindo os anteriores. Vocês podem sacar em casa, ou onde vocês estiverem. Para as pessoas verem como é um Festival de Poesia. E que toda cidade de uma forma ou outra deve e pode fazer um festival de poesia. É uma bobagem. Mas a bobagem só pode ser feita quando você descobre como fazer o evento. Primeiro faz o evento, depois o evento local toma forma.

Parece fácil reunir os amigos, aliás é fácil demais no primeiro dia. No segundo dia já tem uma queda. E se você não souber qual a linha que vai utilizar pra manter o canal ativo, porque se não souber você se enrola e acaba o evento, porque ele tem um momento de alto, de baixo e depois se estabiliza. Quando ele estabiliza você já aprendeu todas as regras para mantê-lo. E por mais que tenha colaboração de um amigo, por mais que ele empreste . Tem coisa que não está orçamentada. Aí tem que chamar o profissional e não dá pra contar só com o amigo. Aí tem mil maneiras de avaliar o evento.



Cássio Amaral: Tavinho qual a diferença do que está rolando no Rio e em São Paulo?



Tavinho Paes: Em São Paulo ocorre com um debate, abre com um debate e depois alguns poetas recitam alguma coisa.



Cássio Amaral: No Rio é mais oral?

Ricardo Wagner: Em São Paulo tradição é mais escrita não é?



Tavinho Paes: É o Rio é mais oral. Mas os eventos de São Paulo São muito bonitos. Agora com a chegada do audiovisual já estão parecendo os pockets. Em São Paulo você tem um evento de poesia muito forte que é o Batidão que vira a madrugada, cinco da madrugada tem bêbado recitando lá.

Já fizeram uma reportagem sobre o Batidão, nunca ouviram falar?

Já está criando um intercâmbio, tem dois poetas de lá que foram convidados pra virem recitar aqui.

Tacredo Borges: Batidão? Vem da Bebida, a batida?

Tavinho Paes: É isso.

Tem muito poeta que escreve um puta poema, mas não sabe recitar.

Se você explicar pra ele que ele vai ler o poema e que uma pessoa que saca de performance vai interpretá-lo depois. Fica muito mais bacana.

E ele vai ter o momento dele também.

Você observa isso muito aqui no Rio de Janeiro. As pessoas não prestam atenção em nada. Elas só querem que chegue a hora delas, pra que elas falem seus poemas.

Isso você vai ver no evento que vocês forem realizar.

Você vai identificar o egoísta....



Tem um poema muito bom que diz assim:



A praça é do povo

Menos o palanque e o microfone

Se você abrir o palanque

Os que querem mostrar a bunda

Sobem nele correndo

Agora se você abrir o microfone

Chame a tropa policial que vai ter porrada.



Porque no microfone você dá a sua opinião.

O evento da poesia falada como uma coisa entre as pessoas é nova e contemporânea, ela está nascendo no final dos anos 90 mas ela se impõe depois da virada do século nos anos de 2001, 2002, 2003 até 2007. Se agente lembrar que o rock demorou oito anos pra chegar, nós estamos chegando. E vai chegar o grupo que está há mais tempo. Um com mais técnica. O outro com menos técnica. Então é o momento de dar os WORKSHOPS.

Na poesia você começa a se interessar pelo passado, você começa a descobrir sua História. De repente uma pessoa que tem isso dentro dela com um WORKSHOP pode se tornar numa estrela. São descobertas que você já sabia, mas que não dava importância.

Fiz um evento em Manaus que foi maravilhoso. Foi tão bom que vão me contratar de novo. Aí vou poder dividir o espaço. Chamar uma Patrícia Carvalho Oliveira, que é uma pessoa que tem um treinamento na escola de mímica da Inglaterra. Ela é a poesia em movimento.

Ela recita um puta poema fazendo movimentos.

Ela é precisa.

Isso tudo com uma lanterna e um apito.

Ela tem a técnica e cria um mundo de ilusão na sua frente.

Vocês vão perceber que num evento sempre rola aquele que quer fazer sozinho, quer dar um show à parte, que é egoísta, quer aparecer.

E quando começar os atritos aí começa o evento.



Rafael Nolli: E a oposição?



Tavinho Paes: A oposição é boa, o debate é bom. Desde que seja de alto nível.

No evento você vai perceber que aquele que você achava que era seu melhor amigo vai dizer:



_ Porra cara isso tá por fora!



Isso vocês vão perceber porque a linguagem da poesia estimula uma coisa atávica que não é comum. Você vê isso na política.

Mas na política as regras são claras, mesmo que você passe por cima delas.

Você vê o adversário. Pode-se fazer acordos.

Na poesia não tem idéias é anterior das idéias, antes da Filosofia.

É coisa de maluco. Dois malucos querendo ver quem é mais maluco.

Você vai ver que a pessoa está com raiva porque o que ela gostaria de fazer é o que você está fazendo. Ela deveria achar maravilhoso mas não ela fica com inveja, com raiva.



Ricardo Wagner: E a pessoa não sabe nem o que você está defendendo.



Tavinho Paes: De qualquer maneira passou a ser elegante ganhar o título de poeta. É um título nobiliárquico. Antes era associado a vagabundo, agora parece que é uma coisa especial.



Ricardo Wagner: Condecoração.



Tavinho Paes: Eu tenho amigos que dizem:

_ Mas você sabe, eu sou poeta ... Na verdade ela gosta mais do título do que fazer poesia. Ele nem precisava ter me comunicado que era poeta. Eu já sabia.

Agora tem o rap.

O rap vem ganhando espaço. Eles estão começando aparecer nos eventos de poesia convencionais. E aí você vê os neguinhos falarem grosso e com alta performance.

Eu vou fazer agora dia 25 e 28 duas palestras e um Workshop só pra djs, mcs no Camarim. Onde nós trabalhamos no festival dos direitos humanos com pessoas da comunidade (favela). Só pra dar umas técnicas como você chega no assunto. Não vou ensinar os caras fazerem poesia porque os caras já sabem.

Para que você comece a criar uma cadência de três, quatro poemas que formem um trabalho. A visão estética, como você trabalha a visão estética. Como você vê o mundo. Você pode não ter um centavo, mas você não é pior nem melhor que eu, nem que o milionário e as outras pessoas. Só que as maneiras de ver o mundo são diferentes, não complementares, nem adjacentes. São Maneiras diferentes.

A tendência é de as pessoas se excluírem. O trabalho da poesia pode ser com que elas se incluam.

A poesia burguesa tem o problema, porque você gosta de bossa nova e acha o resto ruim. Acha Vinícius de Morais o maior poeta do mundo porque fala do amor, do caralho. Foda-se!

Agora tem alguém que não fala de amor porra nenhuma. Ele é um garoto jovem cospe palavrão na sua cara e aí você não quer mais falar com ele.

Mas esse cara o Vinícius de Moraes beberia com ele e conversaria muito.

A linguagem da poesia se torna uma inclusão social das mais positivas e das mais eficazes.

Nas artes plásticas o artista está preso num campo, numa tendência. Já na poesia se você colocar muitos poetas eles se abraçam. Um vai achar que a poesia do outro é uma alteração de linguagem. O estilo diferente, sabe isso cria um espaço de inclusão.

Nós estamos tão na contramão que o show business criou o maior espaço de exclusão que é a área VIP, que tem toda uma segurança, para que alguns privilegiados vejam de perto. E esse local é bancado por uma empresa que ganha muito dinheiro. Ela está alugando seu lazer, que dentro do mercado de trabalho você é livre, o tempo pra você usar. Você vai ter lazer mais dentro do espaço dela. É uma loucura completa. Tem muita comida. A máquina da festa popular é a comida. Cachorro quente.



Cássio Amaral: Nem me fale em cachorro quente! (peguei intoxicação alimentar)



Risos geral.



Tavinho Paes: Tem carrinho de cachorro quente que o cara chegou ao luxo de ter mostarda de Dijon. Se você vê a produção de salsicha você não come mais salsicha.

O queijo de Minas não tem igual. Você vai na França não tem igual ao de Minas. E nunca pensaram em fazer do queijo uma coisa que foi feita como o queijo da França. A cachaça que começaram a fazer isso agora.

Tavinho Paes nos mostra um litro de cachaça da Serra.

Estão achando o Marketing da cachaça.

O bom é o vinho Italiano. Pode botar que é um golaço.

Mas quem soube fazer o Marketing foi o francês com o vinho francês e os s queijos podres deles.



Cássio Amaral: E a vanguarda, o que você acha disso?



Tavinho Paes: Já foi a época. Tem pessoas com organizações e pensamentos avançados mas que não estão interessados em público. São mais interessados em verbas institucionais. Estudo, pesquisa...

Tem o Eduardo Kac começou com a poesia pornô e hoje está numa universidade americana e trabalha com poesia holográfica. Já está com três livros, mas não é o que estamos falando.

É um negócio ligado numa corrente de 200 walts com gerador dançando e fazendo poesia. Poesia visual.

Já é uma outra coisa, uma espécie de linguagem avançada.

Aí você tem música, balet e a poesia falada. John Cage. Os poemas de John Cage. Aí entendi o que é poesia visual.



Tavinho Paes nos mostra seus álbuns de poesia em movimento, com balet do ano de 2000 na Inglaterra. E nos mostra o teatro onde a Patrícia atuou.

Nos diz como o audiovisual está em alta lá fora.



Tancredo Borges: Antes tinha o Dj, hoje é Vj. O que você acha do vj?



Tavinho Paes: Hoje em dia numa boate americana ou em Londres o Vj é fundamental. Às vezes mais fundamental que o Dj.



Tavinho Paes nos mostra seu álbum com poesia visual. Uma delas é feita com holografia que dançava com as pessoas com um som serial e eram vozes falando e recitando poesia.



Tavinho Paes: Quando eu vi isso aqui eu falei: Caralho! Isso foi em 2000. Aí quando voltei pro Brasil em 2001 eu comecei a entrar mesmo de cabeça.

Porque a poesia não se divulga bem. Eles não te fotografam.



Tancredo Borges: Você já morou fora?



Tavinho Paes: Já. Morei em Paris e Nova York . E não é morar rico não. Eu tinha que trabalhar. Eu vendi poesia em Nova York. É uma sorte vocês virem em época de mudança que as coisas que estavam perdidas aparecem.

Isso aqui é um original de uns livrinhos que eu fiz em Nova York. E vendia na rua. Olha, uma única folha de poesia. Chegava numa máquina de xerox tirava frente verso, cortava aqui, cortava ali. Juntava um, dois, três, quatro por um dólar. Tudo em inglês, escrito em inglês. E tinha livro de uma única página. Colocava as figuras de revista para ilustrar meus poemas. Quando em cheguei em Nova York parei de fazer os livros grandes e fazia os mínimos, que eram os que mais vendiam. Rapidamente absorvidos.



Tavinho Paes nos mostra mais livros que ele produziu.



Tavinho Paes nos mostra seus cds produzidos por ele. E presenteia um para o Centro Universitário de Araxá. E nos presenteia alguns também com o jornal Poesia Voa publicado por ele.



Tavinho Paes: Aproveitem e passem pela praia. Está tendo um sarau noturno, uma Rave Noturna da poesia. Chacal deve estar lá.





Tavinho Paes: Sabe como eu digo feliz ano novo.



Cássio Amaral: Não.



Tavinho Paes: Se um 007 (zero zero sete) é foda. Imagina (dois zero zero sete) 2007. ( James Bond)



Risos.



Bibi (amiga de Tavinho): Agora sou eu que vou dar meu depoimento.

Nicos Boleros dessa época. Nós trabalhávamos na casa de Odere Lápio, lembra?



Tavinho Paes: Exatamente. Dali que saiu Totalmente Demais. Saiu Noite vai ter lua cheia (canta).



Bibi: Na época poesia era tido como coisa de vagabundo ... Foi aí que veio Cazuza, Marina. Eles gravaram Tavinho.



Tavinho Paes: As músicas nasceram como se nós brincássemos com a linguagem. Tinha o Circo Voador, o Cazuza.



Tavinho Paes: Isso, era época de 80. E o que está acontecendo hoje tem vinte anos que eu já fazia.



Rafael Nolli: Hoje está popularizado bastante, mas é um processo que vem de muito antes.



Tavinho Paes: Por isso a idéia de começar com um pequeno evento.



Tavinho nos mostra um trabalho seu que é um poema da sua imagem no jornal POESIA VOA. Um trabalho que já faz a muitos anos. Fotos suas tirando a barba e cortando o cabelo até ficar careca. No outro número do jornal é o contrário. E ressalta que aí é outro papo. E tem ele com os cabelos e barbas grandes. Disse que vai fazer um novo evento onde pintará os cabelos.

Pega seu cabelo grande que ele guarda e nos mostra. Diz que o usava quando morava em Londres. E pintava os seus quadros com o cabelo dele. O pincel era a própria cabeça do artista.

Chicoteava e pintava com o cabelo. Nos mostra seu livro que é pintura com o cabelo, parece estilhaços. Pintura feita com cabelos.



Tavinho Paes: Se você usar é arte moderna. É a pintura feita pela cabeça do pintor. Eu guardei o cabelo. Nos mostra o cabelo.

(E tiramos uma foto com os maços de cabelo do Tavinho).



Tavinho Paes: Agora vocês vão ver uma coisa mais louca.



Rafale Nolli: É arte corporal.



Tavinho Paes: As pinturas com o cabelo com o passar do tempo corroeram.



Tancredo Borges: Cara, isso dá até tese de mestrado.



Tavinho nos mostra um fita de vídeo tape. Disse que estava separando. Uma raridade. E não existe uma máquina para reproduzi-la hoje.

Aqui tem Claudia Ohana com dez anos quando entrou nua na banheira dos meus filhos.



Tavinho Paes: Quando eu for em Araxá eu posso ir com o Arnaldo Brandão.



Tancredo Borges: Ele tocou lá na época de 80 com o Hanoi Hanoi.



Tavinho Paes: Eu quero fazer o: DOIS ÃO E UM, com o Lobão e o Arnaldo Brandão. Minhas músicas com eles.



Tavinho Paes: Hoje a educação está indo pro PDF. Dá pra baixar vários livros e colocar até figuras.

Nos Estados Unidos começaram a juntar os cantores de rap com os poetas em programa tipo Talk Show e isso em programa de televisão por assinatura. Começou com cem, duzentos assinantes e foi aumentando. Aí entrou e cada vez mais gente assinando. Daí você pode ver que a poesia pode vingar. E olha que nosso movimento aqui no Rio e muito melhor que isso. Tem vários eventos, o Cep 20.000 do Chacal, o Poesia Voa. Aqui no Rio rola também a poesia no Beco dos Ratos na Lapa perto da casa onde morou o Manuel Bandeira. Perto da Glória.

Esse evento que eu faço também tem cinema, tem audiovisual. Dá pra pessoa ver, sacar e se inteirar também. E um evento de poesia no final, com um Worshop de poesia. Isso é cineclube com poesia. Nós só fizemos em faculdades até agora.

Em Caxias do Sul fizemos um evento numa cidade satélite, cidade rural. Fomos lá e foi sucesso total.



Tancredo Borges: Você está com um cd com suas músicas?



Tavinho Paes: Tenho sim.( Nos mostra sua produção em cds)

Todas minhas coisas, letras, músicas saíram dos meus panfletos como Totalmente Demais e outras mais. Generosamente nos presenteia com um cd do Baixo Leblon, onde tem a história das músicas.



Cássio Amaral: Você acha que essa coisa da poesia marginal é o que deu a base do que está rolando hoje no Brasil? Principalmente em termos musicais, ou dessa arte já inter- relacionada?



Tavinho Paes: É isso. Basicamente isso. Os eventos dos anos setenta que não estão documentados. Você tem livros sobre a História da televisão nos últimos 30 anos. Você tem livros da história do teatro nos últimos 30 anos. Mas falta livros pra documentarem a História da poesia. E na poesia parece que não aconteceu nada.



Tancredo Borges: Estranho.



Tavinho Paes: É estranho, complicado mas politicamente inteligível.

A poesia está andando na contramão do show bisiness. O que o show bisiness prevê ela faz o contrário. Você faz um evento com show bisiness você precisa ter um milhão de pessoas, com poesia diante de um milhão de pessoas é dificílimo passar a mensagem. É o contrário da bilheteria.



Tancredo Borges: Seria importante rever isso.



Tavinho Paes: Seria importante estudar isso.



Cássio Amaral: Você chegou a conhecer o grupo Frenesi?



Tavinho Paes: Claro, tenho até os livros deles da época. (nos mostra os livros)

Isso aqui era um almanaque. Biotônico Vitalidade do pessoal Nuvens Ciganas, estão todos aqui ainda, vários já morreram. Tem aqui Chacal, Nanico, Flajardo... Foi uma turma, isso era a grande publicação de luxo da época marginal. Tá aqui o primeiro exemplar Me segura que eu vou dar um troço do Waly Salomão. (nos mostra). (Nos mostra Polonaises do Leminski com autógrafo). Estão descobrindo livros como estes e recondicionando. O primeiro livro da Ana Cristina Cezar.



Cássio Amaral: Que bacana.



Tavinho Paes: É o primeiro livro dela , chama Luvas de Pelica. Não é chocante ver estas coisas antigas?



Cássio Amaral: É arrepiante. Risos.



Tavinho Paes: É por isso que eu estou te dizendo. Há um mistério nisso aqui. Ninguém ganhou dinheiro com esse negócio.

Este é o segundo livro de Ana Cristina Cezar. Ela tinha um grupo que a apoiava melhor.

A coleção Pedro Lage.

Esse aqui é Nuvem Cigana.



Tancredo Borges: Davi!



O Paulo Leminski ao autografar o livro para Tavinho colocou Davi, ele entendeu o nome errado. Risos.



Ricardo Wagner: Ele devia estar no efeito etílico do Cássio.



Risos geral.



Tavinho Paes: Com certeza. Risos.



Cássio Amaral: Putz, já basta ontem que foi o beleléu.



Risos.



Tavinho Paes: Olha, isso aqui foi a primeira coleção do Frenesi. Tinha uma coisa em comum, uma capa...



Rafael Nolli: É um material que reflete bem a época. É uma questão da academia valorizar.



Tavinho Paes: É, agora várias teses estão sendo feitas em cima da poesia marginal. Às vezes um cara me liga dizendo estou terminando a tese da poesia da época. Mas sempre incorrem no mesmo problema. Elegem dois ou três poetas e esquecem do contexto, dos outros que também participaram. Porque o negócio era mais amplo, você não sabia quem era quem.



Cássio Amaral: E as confrarias de hoje?



Tavinho Paes: Elas nos deixam num gueto. Hoje é tudo um bando de gueto.

Mas isso faz parte do desenvolvimento da sociedade Neocapitalista. O Neoliberalismo que cria a zona de competição. Só tem graça se houver competição.



Rafael Nolli: Quem não se organizar não sobrevive.



Tavinho Paes: É o capitalismo selvagem. Aqui está o chacal. A série luxo do Chacal. (nos mostra). Tem a série verde olhem só! Ele mesmo escreveu e desenhou à mão.

Esses são os bonitinhos. Porque tem muita coisa em xerox.

Quando eu faço uma exposição levo meus livros e quadros. O livro dentro do quadro e você não pode abri-lo. Isso cria uma coisa muito louca e legal, porque dá a poesia condição de obra de arte junto com os quadros. E também rola um Workshop sobre os quadros.



Tancredo Borges: E desperta o interesse.



Tavinho Paes: E o livro vira um obra de arte. O livro é uma obra de arte?

Uma das minhas principais influencias nos anos 70 no final de 1976, 1977 era as artes plásticas. Um deles que foi diretor do Museu de Arte Moderna, o Paulo Herkenhoff O irmão dele o Alfredo Herkennhoff que é meu amigo até hoje.



Tancredo Borges: Ele é um crítico de arte, ele é diretor do MAM hoje?



Tavinho Paes: Não sei se ainda é. Foi da Biblioteca Nacional. Um cara que é super capacitado. Foi formado na Inglaterra. Um cara que saca de direito constitucional pra caralho. Principalmente na época pornô. Aí fizemos a revista: Estrangeiras. Nós fazíamos coisas absurdas. Isso nos anos 60, mas o conteúdo que nós começamos receber informação era nos anos 70. Isso através do Paulo que tinha esta revistas. Tinha a luxos...



Rafael Nolli: Que ruptura é essa dos anos 50? É uma ruptura muito grande, não é?



Tavinho Paes: Mas é o formato de comunicação. E o princípio de começar a organizar a academia de forma privada. Aí começou a aparecer a faculdade de forma privada, que era uma coisa que não tinha. A aceleração é nos anos 70.

Ali aceleram as pessoas que vão pensar nos anos 80 o que vai acontecer nos anos 90. Aí hoje você vê vários garotos fazendo o que eu fazia a 20 e 30 anos atrás. Só que agora tem o computador, não é mais mimeógrafo. Não tem mais aquele papel. Thomas Edison, o homem que inventou a luz elétrica inventou o mimeógrafo. É uma coisa muito louca. Se fazia o verso de papel, de guardanapo. Era a ditadura, era outro contexto. Ulisses Guimarães convocando universitários. Era outro contexto, uma ditadura do cacete.



Tancredo: Esse livro que estou vendo é do nosso conterrâneo o Chico Alvim?



Tavinho Paes: Do embaixador.



Tancredo Borges: Vocês se conhecem?



Tavinho Paes: Claro, acho que ele está na embaixada da Tunísia agora.

É, eu faço o filme da Ana Maria Magalhães que é um raro registro. Assaltaram a gramática que é a música do filme SEM PÉ NEM CABEÇA. Mas é só com os poetas. Na época o Charles era um grande poeta recitador. Tinha outros livros dele, uma pasta de livros que eu perdi todos. Uma parte de livrinhos só da Nuvem Cigana.



Tavinho Paes nos mostra vários livros de vários autores da época marginal, um arquivo espetacular.





Tancredo Borges: Tavinho, nós estivemos numa exposição no Passo Imperial onde rola música e artes plástica juntas, você já participou de algo assim?



Tavinho Paes: Já, até com Totalmente Demais. A interpretação ficou legal. Acho que é válido, hoje tudo é visual, não dá mais pra ficar mais só na fotografia, é importante a fotografia.

Mas hoje qualquer um pode pegar uma filmadora e fazer um trabalho legal. Eu faço de tudo, até marchinha.

Inclusive acho que o Braguinha deveria ter uma cadeira na Academia Brasileira de Letras. Mas o mundo acadêmico é complicado. São interesses grandes, jogo pesado.

Hoje o Rio de janeiro tem um evento de poesia sim, talvez vocês se sentiriam incomodados com tamanha desorganização às vezes.

E tem outros que entram quatro poetas e três bandas de rock, e daí?

Tem outros que é performance, o cara surpreende mesmo. O cara da cambalhotas, cospe fogo...



Tancredo Borges: Mas está tendo muito está mistura de linguagem.



Tavinho Paes: Essa é a poesia que nós vamos viver agora, não tem saída. É essa. Ela começou com a poesia falada, com um empurrão do rap. É uma nova maneira de falar, então hoje você tem o rap. O cara já faz o poema, tem a trilha sonora e apareceu a imagem. Quando apareceu a imagem virou uma nova tendência internacional, não vai parar. É uma nova maneira de você chegar a classes populares. É como minha música TOTALMENTE DEMAIS que chega as classes populares não é através de Caetano, mas através de Perla. Então eu vou odiar a Perla? Não, a comparação nem existe. Uma é uma garota, o outro é um senhor. Uma é mulher, o outro é um homem. Um tem 50 anos, a outra tem 20. Que conversa é essa? Vai achar que tudo é igual, que está substituindo. Não está. A Marisa Montes está. Está substituindo a Nara Leão, que tocava de tudo Mpb, rock. A outra está substituindo a Elis. Mas não estão substituindo nada, são coisas originais e ficam com isso na cultura. Estamos vivendo o momento do boom da palavra falada, mas que a palavra escrita. Isso cria para a Academia um grande problema, porque o escrito é o que vale.



Rafael Nolli: Grafocêntrico.



Tavinho Paes: Grafocêntrico total. Só que como é lido numa estrutura vertical você não consegue entender que nem todos podem fazer um livro. E que na sociedade que nós vivemos, na comunidade, na favela você não vai conseguir arrancar um livro. Eles não tem dinheiro pra fazerem livro. Agora para falar no rádio o que eles pensam sim.

É assim que a poesia deles vai chegar.

Dez horas da manhã uma garota canta uma música , Tati quebra barraco que dá para ouvir daqui. A música como linguagem é uma coisa sensacional.

Mas é o seguinte: A música e a Poesia. É que você pode pegar um sujeito que não sabe tocar nem um violão, estar bêbado por tanto sem o rítimo, não toca nem pandeiro, com fome, morando mal, pé descalço. No meio da quarta cerveja ele é capaz de tirar um verso, que poucos no mundo sabe.

É, Nelson Cavaquinho.



Tancredo Borges: É hoje nós passamos perto de um mendigo vocês notaram que ele estava escrevendo uma poesia, foi bem interessante. Foi vocês que viram.



Tavinho Paes: O que eu tenho percebido com estes eventos é que uma pessoa muito maluca troca a sessão de psicanálise pelo evento de poesia. Gente deprimida em geral costuma curar porque na poesia o louco tem palavra. Ele pode falar, tem vários loucos que escreveram até livros.



Risada geral.



Tavinho Paes: Loucos mesmo. Aí a poesia cria um auto estima que a pessoa provavelmente não se localizou dentro do confronto social. Então ela fica meio perdida. De repente ela vai toda Terça-feira e vai num lugar que vão estar reunido novas pessoas. E, ela começa primeiro a conhecer novas pessoas, segundo a ganhar força pra abrir e soltar sua voz e desengasgar. É aquilo que ela vai fazer no psicanalista. E vai pagar várias sessões e um dia ela chora. E a poesia é capaz de dizer a mesma coisa que ela chora, sem precisar chorar. É uma linguagem que dá uma volta na dor. A dor passa. Risos.





Tavinho Paes: Evento de Poesia emagrece e tira dores em geral.



Gargalhada geral.



Tavinho Paes: Deixe de ser deprimido. Vá recitar um poema ali na esquina num bar. Numa tradição portuguesa de séculos rapaz! E tudo acabou porque ficamos vendo filme de americano. Já sacaram que nós só recebemos informações do que acontece nos Estados Unidos. Você só ouve falar no árabe porque os Estados Unidos está lá. Só onde ele está que nós ficamos sabendo de alguma coisa. É uma aporrinhação, não se recebe um filme francês, uma coisa qualquer diferente. Ficou todo mundo dentro do Neocapitalismo que não dá pra ser aqui, não dá. E não dá pra se criar mais emprego. Não consegue se criar mais emprego pra sustentar este trinômio de: aposentadoria, emprego e sindicato? É o capitalismo. A tendência é que esta merda quebre. Cria-se grupos perdidos do fator criativo. Aí vira o mercado informal, todos dentro do mercado informal. Aí como vai ser? Vira um mercado árabe. As preocupações humanas como um série de coisas são muito saldáveis. Mas se você pensar no chão mesmo os poetas têm muita responsabilidade. Não é só lazer não. Tem o cara que quer ser poeta, porque acha que o lance de ser poeta é porque você vai ficar doidão, tem o outro que acha que tem quer ser cético, estudar, ler os clássicos. Tem todos os tipos. É o único lugar onde a diversidade é aceita.



Tancredo Borges: Tem a função social, uma a responsabilidade. E uma vinculação à educação.





Tavinho Paes. A viagem é justamente esta, a educação.



Rafael Nolli: O rap é justamente isso.



Tavinho Paes: É interessante interagir a poesia com a música. Tem a lei Braguinha. Aí tem o sindicato, vai tirar o emprego de três. E o sindicato faz o jogo de quem? É terrível, é política. Você lembra de algum candidato político ter falado de Cultura na televisão?





Rafael Nolli: Nenhum falou. Fala de educação mas de cultura nada.



Tavinho Paes: Não é a mesma coisa. Aí faz com que um garota mal informada suba no palco do Gil em Salvador e diga:

_Mas Ministro, e as escolas?

Não é da pasta dele. Aí fica o cara naquela situação “o que eu faço agora”?

A pessoa está me ofendendo, subiu no meu palco, acabou com meu show e está falando da pasta de um outro cara que ela não sabe quem é. Risos. É uma loucura danada.

Eu ainda uso ainda quatro arquivos, um dos mais completos é do Chacal. O Chacal tem 180 livros de poesias no Brasil todo.



Rafael Nolli: Dessa geração?



Tavinho Paes. Inclusive os em panfletos. Agora o Chacal vai ter a obra dele toda editada. Vai sair pela Cosac & Naify



Tavinho Paes nos mostra umas revistas de cultura da época.





Tavinho Paes: Olha que bonito da Débora, lê uma parte do poema:



Por um equívoco

Não teriam desejado mais que um vôo

Não teriam desejado comer os mortos...



É interessante perceber que isso aqui foi feito na época da Ditadura.



Tavinho Paes nos mostra várias revistas, um feita pelo Abel Silva. Aí vem as paulistas: Muda e outras mais.

Nos mostra uma com páginas coloridas do Waly Salomão. Muito bacana.



Tavinho Paes: Baseado nisso eu fiz uns dois livros. Caramba, eu vendo isso aí fico até inquieto, eu gosto de falar desse assunto. Tenho lembranças... Porque eu era o marginal dos marginais. Eu não era de grupo nenhum.

Costumava criar muitos problemas pra eles. Roubava o show na verdade.

Eu lembro que fui pra São Paulo no teatro municipal. Era um festival de arte e poesia. E fui na carona, literalmente na carona. E não tinha casa pra ficar. Ficava na casa de uma namoradinha. Depois fiquei na casa de alguns amigos. Como aqui. Às vezes vem um e dorme aqui em casa.

Aí soube na rua que iam pra São Paulo, eu então entrei no trem Rio - São Paulo com a roupa do corpo e soube que estavam indo pra São Paulo.

Quando acordei estava em São Paulo sentado no bondinho. Pequei o livro dos outros e sai na rua vendendo o livro dos outros. Eu virei Chacal, eu virei Chico Charles. Virei porque eu estava com o livro e vendi pra poder encarar, sobreviver. Aí fomos pro evento e nos disseram que tínhamos que nos inscrever. Tudo organizado, hora tal sobe fulano e recita. Outra hora é a vez do ciclano. Os caras que faziam os melhores livros de São Paulo. Aí tinha hora dos poetas se apresentarem, sociedade paulista, as senhoras...

Aí num determinado momento eu entrei pelo palco com as luzes apagadas.

O cara deixou acessa apenas uma luz para os caras arrumarem uma iluminação de uma orquestra que ia tocar depois. Aí eu tô com uma puta vontade de mijar e pensei vou fazer aqui mesmo a poesia processo de alto nível, peru de fora não dá palpite. Aí mijei e viram.

Venho uma voz dizendo:

_Você à direita tentando quebrar as regras de convivência.

Eu fiquei assustado e a polícia cercou.

Aí eu vi que já tinha sujado. Veio a polícia... Aí acabou a feira de Arte.

Mas consegui sair ileso.



Cássio Amaral: Essa foto está numa entrevista sua, acho que na entrevista sua para o Rodrigo de Souza Leão.



Tavinho Paes: É, está na entrevista com o Rodrigo de Souza Leão mesmo.

O Rodrigo é um cara interessante, gente boa. Ficou mais caseiro agora.



Confiram o site de Tavinho Paes no: http://www.poemashow.com.br/







Tavinho Paes é poeta, compositor e realiza o evento Poesia Voa no Rio.

Tem letras gravadas por Caetano Veloso, Lobão, Hanoi Hanoi, Marina e Cazuza outros cantores mais. Dentre suas músicas algumas da minha geração que gosto muito: Totalmente Demais, Blá, Blá, Blá... Eu te amo, Bonsucesso 68, Spartana, Baton e muitas outras.


Esta entrevista foi publicada em fevereiro de 2007 aqui:






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