Um conto de Luciane Oliveira
Conto ficção
Estou demoradamente sentada na mesa desse café esperando para que dê tempo da sua cabeça loira ver meu braço comprido se espreguiçando debaixo da minha blusa de bolinha que tem aquele tipo de manga fofinha que você tanto gosta.
Se nunca conversamos, como eu sei que você gosta? Ah, sei sabendo. Outro dia eu conversava com um amigo, também aqui, nesse mesmo café, só que em outra mesa, com o propósito único e claro de te fazer ciúmes, mas nada adiantava. Você e seu temível aparelhinho de ouvir música, com pequenas e ridículas bolinhas pretas de som grudadas aos ouvidos. Eu bem que tentei falar muito, muito alto, aproveitando a ruideza absoluta que costuma reinar naquele horário. Seis e meia da tarde. Você tinha um grosso bloco de anotações nas mãos, e eu dava dois dedos da minha para saber o que você escrevia. Sim, por duas vezes eu vi seus olhos feiosos pousarem na fenda da minha saia. Estou gordinha. Mas minhas coxas de algum modo misterioso ainda te seduzem.
Nossos encontros casuais estão ficando cada vez mais freqüentes. Não sei se naquele dia no qual eu tentei te fazer ciúmes com meu amigo você ouviu a gente falando da genealogia da moral de Nietzsche. Talvez não goste de Nietzsche. Mas é que eu me sentia tão importante falando naquilo, e à medida que a cerveja artesanal e cara vendida naquele café proporcionava um estranho efeito de náusea no meu estômago, minha fala parecia ficar ainda mais cheia de cultura e lascívia. Meu amigo já deveria estar se perguntando o que diabos acontecera comigo, e você lá, escrevendo a tese do momento e ouvindo suas nojentas bolinas pretas de som. Pareciam grandes abelhas ferroando calmas a pele macia e íntima dos ouvidos. Amei suas orelhas. Pequenas de mais para um homem do seu tamanho. É. Ontem eu ajeitei os cabelos de modo a pensar que você fosse me olhar diferente. Mas não olhou. Como lembrei da primeira vez que nos vimos, e que eu estava com a blusa de bolinhas, resolvi vesti-la de novo hoje.
E hoje eu conversava sobre a forma com a qual homens e mulheres escrevem suas poesias. Minha companhia, Samantha, leitora cheia de vícios com mulheres do tipo Anaïs Nin ou Sylvia Plath, dizia-me que o homem escreve sobre, já a mulher escreve sendo. Mal pude terminar de ouvir essa frase, senti você segurando meu braço, com a ponta de dois dos seus dedos pequenos e robustos. Você tem uma leve penugem nas mãos:
- Me empresta o fogo?
Eu não resisti a uma piadinha.
- Só se você não devolver.
Daí o instante se prolongou. Cada bolinha da minha blusa começou a se agitar em estupefata comemoração, minha amiga de boca aberta, assistindo, a cinza do cigarro dela se avolumando na ponta, quase caindo, quase caindo, não acreditando na ousadia. O menino que nos serve café passou do seu lado feito uma bala, telefone para ele tocando no caixa. Ai, isso não podia ter acontecido. Foi nesse instante que a tentativa de complementação que faiscou em seus olhos encontrou o refúgio inútil e asfixiante da timidez. Você desistiu da investida que pensou em fazer. Ficou tudo como se tivesse sido apenas uma idiota b-r-i-n-c-a-d-e-i-r-i-n-h-a. Frustrante. Brincadeira que você fingiu não entender. Dois meses e 19 dias te observando, trocando olhares e sonhos nos meus travesseiros em chamas, pra no final das contas, você apenas levar embora o isqueiro consigo. Fiquei sem fogo, mas com a fogueira em mim ainda acesa.
Amanhã vou fingir que dormi na rua, e vou pro café, de novo, com a mesma blusa de bolinha. Meus pontinhos brancos ainda não se conformam com a derrota. Ah, comprei um aparelhinho de ouvir música também. Agora vamos poder disputar indiferenças. Mas ainda continuo sonhando com o flanco macio e suave da sua cabeleira loira e escura.
Os blogs da Luciane estão linkados aí do lado, ou nos endereços:
http://fionamiller.blogspot.com/
http://aresexteriores.blogspot.com/
3 comentários:
Cassinho, tou de vota. Aproveitei pra ler um monte de vc. Tava com saudades deste cão danado, meu amigo, meu irmão!
E aproveito pra te agradecer por me incluir entre vcs poetas, viu? Vc é lindo e eu te amo muito!!!
Beijocas
gostei do mukifu seu...
pois a Luciane é mesmo boa escritora, rapaz. Não a conhecia. Vou lá no blog dela ver o que se passa.
Tem uma fluência e uma percepção de detalhes muito interessante, característica feminina.
Gostei.
Paz e bom humor, sempre, mano blogueiro.
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