2 de maio de 2011
Lero-lero com Bárbara Lia
1- A Poesia num mundo tão caótico ainda consegue ter sentido?
A Poesia está na essência do Todo. Quando o mundo ruir, vai restar a Poesia. Não existe mundo sem Poesia. Se ela for entendida como substrato da Beleza e Portadora de Mistérios. Nunca vai morrer Deus (o Verdadeiro), o Amor, a Poesia e otras cositas más. Ainda que alguns não creiam nem em Deus, nem no Amor e nem na Poesia... Os reveladores da Poesia vivem este drama na busca de comunicar algo que não encontra lugar na superfície das coisas. O poeta foi, é e sempre será um corpo estranho no mundo. Se pensarmos bem, este mundo nasceu do Caos e segue mergulhado no Caos, ad infinitum. A Poesia é o sentido de quem rasga a cortina do efêmero, ou mergulha um pouco mais fundo e não se conforma com as águas ralas. Sempre pensei os poetas como traficantes de Beleza, só que transitamos por galerias submersas e ninguém nos vê.
2- Seu livro Solidão Calcinada obteve o prêmio da Secretaria de Estado da Cultura do Governo do Paraná. Fale um pouco dele.
O Romance foi finalista do Prêmio Nacional SESC Literatura 2005. Buscava um editor para o livro e antes das editoras procurei a SEEC/PR que publica autores paranaenses. O Conselho Editorial aprovou a publicação e meu primeiro romance foi lançado em 2008. Considero um prêmio por passar pelo rígido crivo do Conselho Editorial.
O livro Solidão Calcinada é narrado por quatro mulheres de uma mesma família: Pietra, Esperança, Serena e Bárbara. Pietra - a bisavó de Bárbara - em 1910 passeia por Paquetá meio a arroubos juvenis e sonhos shakespearianos de amor eterno, quando a vida real cai sobre os ombros, seu rosto se torna como seu nome – pura pedra. A bisneta Bárbara transita longe destes sonhos antigos. Uma jornalista, filha de ex-militantes da esquerda, a mãe (Serena) foi morta pelo regime militar que dominou o País nos anos 60/70 e Bárbara foi criada pela avó Esperança. Bárbara inicia – sem saber - uma jornada em busca do passado a partir da resenha do livro de um poeta – Pablo Arrabal. Nesta jornada ela apresenta as mulheres da família.
Conforme o título, o tema do livro é a velha e conhecida amiga - a Solidão.
3- Num de seus poemas do seu livro “Tem um pássaro cantando dentro de mim” diz:
Pensei: Vou morar em uma lágrima.
E vi cenários de Kandinski atrás da cristalina dor.
Vi os retorcidos rostos detrás dos espelhos d’água.
Vi uma casa-banheira, eu sempre líquida.
Vi o teto vidro fosco, eu a olhar as estrelas.
E quando secar a minha casa?
E como secar meu coração?
É possível secar o coração de um poeta?
Sim. Poetas são pessoas. A poesia pode morrer dentro de qualquer pessoa, não morre ao redor da pessoa. Quem sabe os poetas suicidas são os que vivenciaram esta secura da fonte, desengano amplo e total?
Enquanto a Poesia vibra dentro e fora, vamos – adelante.
Cá entre nós, as poesias não são narrativas do nosso cotidiano como muitos pensam. São fragmentos misteriosos que construímos. Não exatamente reprodução literal de nossos dramas. A poeta se imagina – neste poema – dentro de uma lágrima. As lágrimas secam. Não seca o coração. Ainda bem! Sigo amando os improváveis e os impossíveis, talvez nisto resida o encanto da minha vida. Tem gente que acha que não. Eu acho o máximo viver o limite de tudo, penetrar corpos e casas que nunca pensei alcançar. Amar os homens que – ainda que não mencione – cabem exatamente dentro de um itinerário de Poesia inenarrável. Experiências humanas que constroem uma Mulher. Experiências que ajudam a amadurecer, com o tempo, o olhar sobre o outro e sobre o amor.
É possível secar o coração de um poeta?
Sim, posto que tudo é possível.
E até para não secar meu coração, eu me agarro a esta certeza – Tudo é Possível.
4- Rimbaud ou Baudelaire? Por quê?
Não posso escolher entre dois Poetas. Os Poetas todos têm uma significância e os que deixaram o registro de sua obra, significam muito mais. O que posso dizer é que me concentrei mais em Rimbaud. Um espanto / encanto com Rimbaud. Comecei a escrever bem tarde, embora desde menina rabiscasse o que eu acreditava ser um experimento de algo que me atraia, mas, para o qual não abri as portas. Por várias razões que não dá para enumerar aqui, para isto eu teria que escrever minha biografia, eu arquivei em um recanto da alma - a poeta. Dentro de uma metafísica gaveta. Não era a obra na gaveta. Era a autora. Quando saí da gaveta e comecei a escrever eu não era mais aquela menina de dezoito anos que pensava ser romancista. Rimbaud é isto para mim. O menino que foi o que eu não fui. Quando escrevi as poesias a Rimbaud lembrei detalhes que nos uniam. Demorar até a adolescência para conhecer o mar. Amar os impossíveis. Viver estes impossíveis amores. A coragem. O vôo. O passo em direção ao que sua alma ansiava. Admiro Rimbaud, este mito.
5- Você lançou o livro Constelação de Ossos no dia 26 de setembro
do ano passado, um dia depois do meu aniversário em Belo Horizonte.
O que você aborda nesse livro e qual a importância desse lançamento em Minas?
Constelação de Ossos é narrado em primeira pessoa por uma cantora de bar e garota de programa. No primeiro capítulo ela é a menina que narra a morte da mãe; no último ela narra sua própria morte. Neste interstício ela conhece a violência doméstica quando é estuprada pelo filho da madrasta, a vida nas ruas, quando foge da casa onde vivia com o estuprador. O socorro do amigo Raul que a apresenta ao dono de um bar e ela se torna garota de programa, cantora na noite. O roteiro é triste, mas, a prosa poética ameniza o drama. Constelação de Ossos nasceu de uma frase que surgiu em uma manhã:
Sonhei com o anjo d’água.
Pensei na frase o dia todo com a certeza que escreveria uma poesia e nasceu uma mulher com o nome da constelação mais apagada da carta celeste – Lynx.
Lancei o livro em Minas, por puro desejo de voltar a Minas. Eu amo Minas, por isto no meu poema – Toquei seu berço silencioso – eu cantei meu amor a Minas. Citei você e o Leonardo Paiva de Pedralva...
Dois poetas meninos
vestidos de pedras e haicais
6- O que tem lido atualmente e quais seus planos para futuras publicações?
Atualmente estou lendo – Fernando Pessoa. Estou em estado de graça entre Caeiro e Ricardo Reis. Fernando Pessoa viveu menos de meio século e me pergunto: Como ele conseguiu escrever tanto? A Obra de Fernando Pessoa é Infinita. Tantos heterônimos e cada um deles escreveu uma infinidade de Poesias. Fernando Pessoa escreveu a vida toda, eu penso. Acredito que ele nada fez na vida além de escrever. E navegar por este mar/Pessoa é uma viagem única.
Este ano é o ano da Poesia. Por isto, para 2011, a próxima publicação é do livro “A flor dentro da árvore” poesias cujos títulos são versos de Emily DIckinson. Algumas poesias deste livro foram premiadas no Prêmio Ufes de Literatura. O prefácio é do poeta gaúcho Sidnei Schneider. A flor dentro da árvore já está desabrochando.
No próximo ano tenho planos de publicar um romance. E assim La nave va, entre a prosa e a poesia.
7- Bárbara Lia em poucas palavras.
Quando era menina descobri que o significado de Bárbara Lia é - Estrangeira de olhos tristes e cansados. Faz sentido. Sempre convivi com esta sensação de não-lugar. Quando não sou íntima das pessoas eu me encolho, quando me sinto à vontade eu me mostro. Só meus amigos reais e o povo aqui de casa conhece a verdadeira Bárbara. A palavra que mais ouvi pela vida – Como você é doce. Espero que a vida não tenha amargurado este meu lado de doçura. Viver é foda!
Dizem que sou poeta e eu, loucamente, acredito.
Resumo da ópera – A Mulher está acima da Poeta e da Mãe. Sou, sobretudo, Mulher.
“Toquei seu berço silencioso”
Meu pai amava
A amada do poeta
Quando nasci
Ele cavou mistérios
Usou critérios
De Neruda
Pra convencer
Sua musa
Que o meu belo nome
Já havia nascido
Uma montanha
Desenhada
Em meu berço
Todos os Josés do mundo
A devolver-me
A pergunta:
E agora?
Agora é tempo de mariposas
A menina escapa viva
Quando já está na boca das raposas
Menina ventania alma espinhada de rosas
Rasgando os véus do aço
Aço Aço Aço - dona das glosas
Segue cortando o inócuo
E as heras venenosas
Meu nome ouro de catedral
Meu nome sacro
De relâmpago e vendaval
Meu nome banido
Pela Coroa Imperial
Um patchwork mineiro dentro de mim:
Odes a Nise e restos do manto
Do Alferes
Orgasmos de Dona Beja
E água memorável
Labirintos de Rosa
Perfume de Diadorim
Um suspiro de Adélia
Um olhar de Drummond
Um dominicano a enviar-me
paz em postais
Dois poetas meninos
Vestidos de pedras e haicais
Milton voz de nuvem
cimento veludo mel
Nunca esqueci
a pedra no meio do caminho
A voz do anjo torto
Sentado na pedra a sussurrar
Os sonhos não envelhecem
“O cuitelinho não gosta
que o botão de rosa caia
ai ai ai”
Nunca esqueci
que a festa acabou pra mim
E também pra José
Meu pai plantou-me em Minas
Sem mar
Sem José
Sem amor
Minha herança:
Sertões
Sonetos
Canções
Nunca foi meu este lugar
Nunca foi minha a minha casa
Estou só e longínqua
Meu nome é uma montanha
Minha sombra uma memória
Plantada naquela esquina
Bárbara Lia
In A FLOR DENTRO DA ÁRVORE
O blog da Bárbara Lia está linkado aí ao lado direito, ou no:
http://chaparaasborboletas.blogspot.com/
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11 comentários:
Uma entrevista interessante para quem quiser ficar a conhecer melhor Barbara Lia.
...E a poetisa merece!
Num só abraço a entrevistada e o entrevistador!
Parabéns!
cadê a cotovia?
ninguém mais sabe onde
canta a utopia
-
josé marins
http://fieiradehaicais.blogspot.com/
bárbara veio aqui lançar e foi uma honra conhece-la pessoalmente. esperamos ler "A flor dentro da árvore" em breve. valeu aos dois poetas por nos deixar "ouver" o lero.
Parabéns pela entrevista, Cássio. Bárbara Lia é um dos grandes nomes da literatura contemporânea e certamente ainda será contemporânea daqui há duzentos anos.
Gostei da entrevista (Lero-lero com Bárbara Lia).
Parabéns as duas(entrevistada / entrevistador).
Abração, poetamiga!
Visitem o Literário:
http://pbondaczuk.blogspot.com/
Belissima entrevista Cassio e Lia...adorei mesmo.Poesia pura.abração.Ana
Gracias ha sido un agrado leer esta entrevista con la poeta Bárbaria Lia, un abrazo desde Santiago de Chile,
Leo Lobos
A entrevista resgata o desafio que é desscoberta do outro via poesia. Parabéns aos dois por compartilhar. Abraço
Cada palavra é pouca pra dizer - obrigada. Beijo cada um e vamos em frente nesta partilha de vida e poesia. Valeu! grande abraço...
porra!
que prosa rica..
sem deboches e mutretinhas de escritor chulo. gente que se tem o prazer de fezer-se ridiculo e amostrado diante de uma entrevista. simplicidade é um osso cão danado, e tu encontra!
parabéns aê pra voces!
adorei manão!
abraX
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