CLAUDIONOR O POETA ANDARILHO NA
RODOVIÁRIA DE UBERABA
Ele olha para mim, fixa na minha
camiseta amarela da Enfim que está escrita " gente que te inspira"
com o passarinho vermelho voando para o coração vermelho.
Senta do meu lado com a marmita na
mão, camisa marrom clara, é um negro de seus 57 anos. Olha pra mim estou lendo
Todos os Cachorros são azuis de Rodrigo de Souza Leão. para meu estudo, relendo
na real é a quarta releitura. Ele só fica a me observar , sente a necessidade
de falar comigo, mas vê estou concentrado. Levanta e senta no outro banco quase
de frente de mim. Eu o saco, penso e volto a minha leitura.
Depois de quase vinte e cinco horas
na estrada tenho que esperar mais uma hora para ir à Araxá rever meus pais,
irmãs, sobrinhos e amigos.
Levanto, vou até banca de jornais e
compra uma água. Dou uma volta na rodoviária, vejo as pessoas que embarcam para
seu destino.
Sento em outro ponto de frente da
plataforma 9 onde sai meu ônibus.
Claudionor senta novamente do meu
lado e me pergunta:
_Gente que te inspira?
_ Tem gente que
inspira e tem algumas que não.
Ele puxa papo. E me
conta sua lorota.
Diz que é poeta, o
poeta andarilho. Que viveu em Brasília na rodoferroviária, que ali em Uberaba,
que apesar de ser poeta não consegue perdoar as pessoas que o agridem.
Que uma PM mulher
sargento no dia de ontem domingo tinha o acordado e ele ficou puto com isso o
dia todo.
Conversa vai e
conversa vem.
_Você já foi casado
Claudionor?
_Não, nunca se
fosse não seria andarilho.
Ele me conta que
fizeram um documentário com ele em Brasília , o filmaram na rua declamando sua
poesia. Mas que ele quer ser anônimo.
Digo que sou poeta
a ele.
_Vou te declamar um
poema meu. “O garoto abandonado não tem chão quer encher seu coração”....
Declama seu poema.
Peço a ele que me
declame outros poemas seus, ele o faz com naturalidade e boa oralidade.
Pede a mim que eu
declame alguns poemas meus.
Declamo uns poemas
do Leminski e um de Aline Fonseca , uma menina de Floripa.
É hora de embarcar
no ônibus , dou quatro pilas a ele e sigo meu caminho.
Antes de entrar no
ônibus ele ainda diz:
_Amigo, lembre-se
que ainda existe a poesia. A poesia.
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